Sendo o maior país da América do Sul em população, extensão territorial e força econômica, o Brasil tem recursos, habilidade e peso político para ser uma voz de liderança em matéria de liberdade religiosa no mundo. Knox Thames avalia a política brasileira sobre liberdade de religião ou crença e faz algumas recomendações para a comunidade internacional.
A realidade brutal da perseguição religiosa existe para milhões de indivíduos, apesar dos esforços globais para proteger a liberdade de religião. 2023 marca o 75º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o 25º aniversário da Lei de Liberdade Religiosa Internacional dos Estados Unidos e o 10º aniversário das Diretrizes da União Europeia sobre Liberdade de Religião ou Crença. No entanto, apesar destes documentos essenciais, a repressão por causa da religião ou crença continua.
Países que valorizam a liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença estão num ponto de inflexão. Quanto valorizamos nossos valores? Como podemos responder? Ao invés de mais normas, precisamos que mais países cumpram os seus compromissos e pressionem outros por reformas. E precisamos de uma diversidade de vozes, de fora da América do Norte e da Europa. Consequentemente, o Brasil tem a oportunidade de desempenhar um papel único e necessário, alinhado aos seus valores e à sua política externa, para ajudar a enfrentar esse desafio.
Por que o Brasil? Sendo o maior país da América do Sul em população, extensão territorial e força econômica, o Brasil tem recursos, habilidade e peso político para ser uma força para o bem no mundo. E considerando que a liberdade de religião é um valor compartilhado nas Américas, tanto do Norte como do Sul, apresenta-se uma oportunidade de construir um esforço de todo o hemisfério para encorajar o respeito à liberdade de religião e crença fora da nossa região. O Brasil, junto com os Estados Unidos, Canadá e outras nações do Hemisfério Ocidental, poderia reenergizar os esforços para resgatar os perseguidos e falar em favor dos oprimidos.
A diversidade religiosa e étnica do Brasil é uma força, assim como nos Estados Unidos. Segundo pesquisa Datafolha de 2019, 50% da população se identifica como católica romana, 31% como evangélica, ateus e sem religião representam 11%, e cerca de 5% praticam religiões afro-brasileiras ou espiritismo, enquanto pequenas comunidades de muçulmanos e de judeus vivem com sucesso nas grandes cidades. Isso não quer dizer que nossos países sejam perfeitos – não são. E por isso devemos seguir defendendo as minorias religiosas e buscando viver segundo nossos ideais fundadores. Mas comunidades diversas geralmente vivem juntas pacificamente.
O Brasil também tem uma base jurídica sólida. A Constituição do Brasil protege a liberdade religiosa, declarando que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Declara também que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”.
Desde o seu retorno à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva tem trabalhado para construir uma diplomacia intermediária, com forte interesse nas questões ambientais. Enquanto condena a invasão russa contra a Ucrânia, sua administração enfatiza o diálogo entre os beligerantes, buscando evitar uma nova Guerra Fria. Como disse o conselheiro de política externa de Lula ao Financial Times, o Ocidente deve “levar em conta” as preocupações de segurança de Putin, algo de que a administração Biden, os aliados da OTAN e os ucranianos discordariam fortemente. Não obstante, esse pensamento independente em relações exteriores é uma abordagem tradicional brasileira. E a posição de Lula sobre a Ucrânia parece semelhante à que o Papa Francisco tem promovido. Ao favorecer o diálogo, o governo Lula se posiciona para ter influência, se decidir usá-la.
Embora os ativistas de direitos humanos esperem sempre mais, a condição brasileira de não alinhamento, sendo uma democracia liberal que respeita direitos, pode ter um impacto. Lula indicou que pressionaria o homem forte da Nicarágua, Daniel Ortega, para libertar o bispo Rolando Alvarez, pessoalmente pedindo por sua soltura. Considerando os laços estreitos do Brasil com a Nicarágua, uma intervenção dessas não está disponível nem para a Santa Sé, nem para os Estados Unidos. Eu testemunhei oportunidades semelhantes disponíveis para o Brasil devido à sua abordagem diplomática singular, como quando engajou o Irã para libertar pastores ou discretamente levantou preocupações com a Coreia do Norte sobre seu sistema repressivo.
Quando o Brasil participa em liberdade religiosa internacional, seu envolvimento fortalece os esforços de defesa. O Brasil é conhecido por apoiar a diplomacia multilateral, favorecendo o trabalho através das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos (OEA). Na continuação disso, o Brasil desempenhou um papel de liderança vital na formação e orientação da Aliança por Liberdade de Religião ou Crença Internacional (International Religious Freedom or Belief Alliance). Os batistas brasileiros e outros, trabalhando com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Itamaraty, ajudaram a reassentar minorias religiosas do Afeganistão que fugiam do Taleban.
A mudança de administração entre Bolsonaro e Lula põe em risco uma continuação robusta destes compromissos. Tendo servido nas administrações Obama e Trump no Departamento de Estado dos EUA, conheço o desafio de manter prioridades consistentes entre líderes muito diferentes. É difícil manter a liberdade de religião a salvo das influências partidárias. E, morando na região de Washington, DC, os acontecimentos de 6 de janeiro em casa foram chocantes, assim como os de 8 de janeiro no Brasil. No entanto, a turbulência e o desacordo políticos não devem desviar a atenção dos valores fundamentais em política externa. Permitir que nos afastemos deles limita nossa influência e deixa sem amigos ou aliados milhões de pessoas que enfrentam perseguição.
Estas questões foram discutidas durante recente visita a Brasília para participar em conferência sobre o papel da liberdade de religião na construção de uma sociedade livre, justa e de apoio mútuo. Ouvi alguns brasileiros criticarem o uso da religião pelo governo anterior para fins políticos. No entanto, países parceiros globais do Brasil saudaram seus esforços progressistas para promover a liberdade religiosa em âmbito internacional. Diplomatas brasileiros experientes souberam afastar o Brasil de uma abordagem abertamente política ou ideológica. Eles promoveram a liberdade de religião de forma holística, como um direito humano universal, a partir da posição internacional única do Brasil como nação líder do Sul Global.
O movimento pela liberdade de religião e crença precisa do envolvimento do Brasil. Durante a recente conferência em Brasília, representantes do Ministério dos Direitos Humanos detalharam seu foco na proteção das minorias religiosas no Brasil e na promoção de maior liberdade religiosa para todos. Pensar no Brasil como sede do Fórum Inter-religioso do G20 no próximo ano é encorajador, e espero que o Brasil o assuma energicamente e de forma integrada com suas outras prioridades do G20. Esses esforços habilitam o Brasil a reunir nações para enfrentarem a pandemia de perseguição religiosa que varre o mundo.
Como muitos sabem, os Estados Unidos lançaram uma série de reuniões a nível ministerial para chamar a atenção do mundo para formas de promover a liberdade de religião ou crença. Até hoje, todas estas cimeiras se deram nos Estados Unidos ou na Europa. A República Tcheca acolherá a próxima reunião ministerial em novembro, mas nenhum país se apresentou ainda para sediar o próximo evento. A convocação de uma reunião ministerial sobre liberdade religiosa pela principal nação da América do Sul traria uma importante diversidade geográfica, ao mesmo tempo em que proporcionaria à administração Lula uma forma tangível de mostrar o seu compromisso com a questão e destacar suas prioridades domésticas. Além disso, ter um governo de centro-esquerda conduzindo a reunião global reforçaria a diversidade política e demonstraria como a liberdade de religião é importante em todo o espectro político-ideológico.
Durante o meu serviço diplomático nos Estados Unidos, supervisionei as duas cimeiras sobre liberdade religiosa realizadas em Washington. São empreendimentos significativos. Se for inviável organizar uma reunião internacional na capital devido ao G20, o Brasil poderia convocar uma discussão regional sobre como promover globalmente o valor comum da liberdade de religião ou crença. Essa conversa poderia ocorrer em Brasília, na sede da OEA, ou na Assembleia Geral anual da OEA sobre a promoção da liberdade religiosa ou defesa das minorias religiosas.
O Brasil conduzirá sua diplomacia de forma diferente dos EUA. Não precisamos que o Brasil replique a abordagem de defesa dos direitos humanos dos EUA, mas precisamos sim que o Brasil dê as mãos neste esforço para combater a perseguição extrema por causa da fé. O Brasil exerce considerável peso diplomático, econômico e político. A comunidade internacional acolheria com agrado essa parceria. E milhões de mulheres e homens perseguidos, e muitas crianças, de todas as fés ou sem religião, se beneficiariam do seu envolvimento.
Knox Thames serviu como enviado especial no Departamento de Estado dos EUA durante as administrações Obama e Trump, com foco nas minorias religiosas. É agora senior fellow na Pepperdine University. Você pode encontrá-lo em www.knoxthames.com.
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